...espasmos de lucidez podem gerar avalanches de idéias, ou não.

sábado, março 06, 2010

Nas manhãs do sul do mundo

Entro cheio de expectativa... Bastaram poucas remadas adentro do mar para saber que fora correspondida.
Praia Mole, Florianópolis; 8:40 AM
Uma ondulação de leste quebrava perfeita e o crowd* estava tranquilo. Tudo para uma sessão alucinante.Cheguei exausto ao outside*, sentei sobre a prancha e respirei profundamente; fechando os olhos pude sentir toda a energia que convergia para aquela praia na forma de ondulação...
O ato de surfar é mágico, beira o transcendental. É encontrar-se consigo mesmo, deixar que o corpo manifeste e expresse quem você realmente é. Reconheço-me verdadeiramente quando surfo, sinto que as linhas desenhadas na ondulação escrevem a biografia mais sincera e verdadeira... A alguns metros de mim, outro recem chegado de dread looks fita-me com certa desconfiança e permanece a observar o horizonte esperando a onda perfeita. É o ritual que todos seguem, permanecer perante o majestoso oceano esperando a graça divina.
Então acontece. Uma crista surge marchando para a praia, uma tremenda direita. Sigo em sua direção com intuito de fazer parte desta obra prima de Netuno*, quando reparo que meu recém companheiro de dread está perfeitamente posicionado. De orelha a orelha abri um sorriso, sentei na prancha e comecei a aplaudir o espetáculo que viria. Ele desce com um tremendo sorriso estampado e segue rabiscando aquela que, naquele momento, é a onda do século. Viro-me para o horizonte e surge a minha chance de eternizar com rasgadas e batidas aquele momento. Ajeitar o bico, remadas, o impulso e... O regozijo. O drop* parece eterno e instantâneo; sentir que aquela fina tábua de fibra de vidro, resina e poliuretano passa a ser nada mais que uma extensão do corpo, a continuação dos pés. Seguir até o lip* e 'respingar no céu a água salgada do mar'. É quando ouço o brother do dread com o bordão "WOHOO"; fazer parte daquele momento é alucinante para todos.
Estamos na real democracia; credos, posição social, cor, escolaridade, emprego... Tudo é jogado na areia, como todo o resto das impurezas do mar (e não são aqueles as impurezas da dita 'civilização'?). Dentro d´água todos são e estão interligados, um único organismo pulsante cheio de vida e graça**. E a session* foi recheada de outros tantos momentos memoráveis... Eis a vida por detrás da sombras que seguimos enclausurados em uma caverna de Sócrates (Platão?) camuflada com o nome de 'Humanidade'.
Ao fim, cansado e feliz, segue-se a marcha insana da vida. Ou não; talvez nestes pequenos espasmos de expressão livre é que vivemos e, em todo o resto do tempo, estamos em estado latente, recuperando-se para viver novamente. Eu surfo, escrevo, sinto a adrenalina em mim. Outrem o sente interpretando, lendo, dormindo, cantando, cozinhando, desenhando ou sabe-se lá o que...
Como expressas o que és?
Mahalo
*Expressões e referências que fazem parte do universo do surfe; a significações são de fácil entendimento:
Crowd - densidade de surfistas na praia
Outside - 'lado de fora', região depois da arrebentação, área segura para a espera da onda
Netuno - o Deus dos mares na mitologia romana invocado pelos surfistas
Drop - 'cair', o ato de descer a onda já de pé sobre a prancha
Lip - Crista da onda
Session - 'sessão' de surfe
**Referência ao Surfer´s Code - 12 simple lessons for riddind through life de Shaum Tomson no capítulo All the surfers are joined by one ocean. Não li inteiro ainda; mas o livro é, inclusive para não surfistas, incrível. Recomendo com força.

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