...espasmos de lucidez podem gerar avalanches de idéias, ou não.

quinta-feira, março 25, 2010

Padronização.

Nunca vou esquecer da segunda aula de Desenho Técnico da vida... Calouro, cidade nova, 18 anos... Tudo para ter a mente fervilhando, principalmente sobre possibilidades. Não se espera grandes epifanias em uma aula de desenho, mas 'a mente trabalha melhor quando está aberta'¹.
Chega o professor da mencionada matéria cuspindo profundas afirmações: 'Estou aqui para falar sobre algo que todos nós, mais cedo ou mais tarde, somos obrigados a seguir e fazer parte: a padronização'. Honestamente, fiquei até com certo frio na barriga; por mais que fosse o único professor que aparentava gostar do que faz na universidade, não esperava reflexões sobre a ordem das coisas em um fim de tarde de terça-feira.
É, cinco minutos depois ele explicava sobre etiquetas técnicas, dobragem de folhas A2 e A3, hachuras, esquadros e lapiseiras... Algo um pouco mais previsível. Mas aquele assunto passou a fazer parte do meu repertório de questões. Martelando, martelando...
Padrão de vida, esclolhas padrão...
Padrão... Honestamente? O que vem à minha mente é uma toalha de mesa infinita com a mesma estampa repetindo indefinidamente...
Tudo converge para uma massiva pradonização. Basta olhar em volta: moda, empregos, religiões...
Nossas decisões pessoais acabam em pequenas variações de uma mesma estampa; tudo já previsto em um desvio padrão.
Uniformizar para destruir. A intrínseca individualidade morre ao seguir sonhos e metas implantadas pela poderosa mídia em nossa tão facilmente impressionável mente... O paralelo com a utopia de Aldous Huxley (O admirável mundo novo) torna-se impossível.
Tornar tudo que naturalmente é heterogêneo e cheio de particularidades no nome já conhecido: a massa.
Ao analisar uma tribo da oceania (exemplo) enxerga-se apenas suas falhas perante a incrivelmente bem sucedida civilização que estamos; totalmente cegos a suas singelas e poderosas riquezas.
Falta de significado na vida, medo do fim trágico e da solidão, insegurança junto aos semelhantes, sensação de 'o que há de errado comigo?'... Consequências inerentes a fazer parte de um sistema linear e padronizado para lidar com 6 bilhões de pessoas. Mas claro, o real responsável é a 'natureza humana' egoísta e ruim; e não um sistema focado no exponencial crescimento para... Para o que mesmo?
Sou um grande hipócrita, óbvio. A ciência de tudo isso não é/foi suficiente para nadar fora do mesmo oceano... Mas por seguir diferente da poderosa corrente marítima já dou-me por momentâneamente satisfeito; que arquipélagos inexplorados posso encontrar a frente?
¹Frase atribuída a A. Einstein
Sugestões: Meu Ismael (Daniel Quinn), Metamorfose (Kafka)

segunda-feira, março 15, 2010

A vida como ela é.

Nelson Rodrigues era um homem provavelmente formidável.
Escrevo provavelmente porque conheço tanto dele quanto qualquer um, com vinte minutos livres e internet.
Mas refiro-me mais especificamente à coluna 'A vida como ela é' que escrevia diariamente para o Jornal a Última Hora, recheada de traições, intrigas, finais inusitados e sexo; muito sexo. O adultério é o tema mais presente; o que julgo, minimamente, curioso para o nome.
'A vida como ela é' soa como a Sessão da Tarde, como contos anedódicos; mas não. Assim, justificando o primeiro período.
E sexo realmente é o que move a maior parte do mundo, um gigantesco 'modelo fornicocêntrico'.
Ainda assim, trata-se com tanto pudor e esmero tal assunto que, convenhamos, acontece beem naturalmente. Também a homossexualidade, os fetiches, o adultério... Mesmo depois de milhares de anos de tentativa e erro (leia-se putaria).
'Não desejarás a mulher do próximo' - escreveu sabiamente Moisés tentando evitar dor de corno em plena passagem bíblica; digo, Deus escreveu (o que dará no mesmo). Quando se conduz uma multidão no meio do deserto por quarenta anos, medidas drásticas tem de ser tomadas. Mas permanecer dois mil anos na utopia que não se dará nem 'umazinha' fora?
Perpetuar normas que sabe-se de antemão que serão descumpridas não é a mais sábia das decisões.
Sim, estou vendo em termos práticos e reais; o desrespeito, tristeza, vergonha, continuam inerentes ao ato. Mas desde quando as decisões (inclusive as 'certas') são morais?
Casal perdidamente apaixonado onde as partes moram longe, o melhor amigo dela e muita curtição hedonística. Poderia ser outro conto de N. Rodrigues, mas é a mais tangível realidade. Não duvido do amor daqueles ou da amizade destes... Errado? Imoral? Vergonhoso? Não... Simplesmente a vida, como ela é.

sábado, março 13, 2010

Navegantes, 28 de janeiro de 2010
01:20 AM
Som de ondas ao fundo e lua quase cheia ao alto...
O silêncio só era rompido pelo mar e uns tímidos insetos acolá.
Encontrei-me.
Nada que pare a Terra; mas após urinar, fitei-me profundamente.
The mirror was a window to myself...
Sorri sinceramente, pois o rapaz a encarar-me parecia feliz, cheio de histórias e ambições. Achei-o bonito. Pensei em tirar uma fotografia para lembrar perfeitamente de como estou, mas desisti.
Nem a melhor câmera do mundo poderia capturar o que naquele momento julguei belo.
O antes, o depois...
Uma imensa convergência de fatos tornava a madrugada nublada um belíssimo quadro. A ínfima fatia da realidade que olhei no espelho, depois de capturada, tendia a macular a lembrança; esta última um tesouro tão precioso para o velho sedento de passado que habita em mim.

sexta-feira, março 12, 2010

Florianópolis, 12 de dezembro de 2009
19:25 ; No other way - Jack Johnson
O horário de verão permite que ainda haja um brilho natural lá fora...
Pela porta aberta vejo um quadro em tons de cinza... Chove manso, gradativamente mais forte.
Há pouco encontrei um besouro ao chão; achava estar morto, mas ao cutucar-lhe notei um singelo movimento de patas em protesto.
Ainda pensava em guardar aquela bela carapaça negra antes de reparar seu estado agonizante...
[caralho, agora chove muito]
Ele está apenas anestesiado.
E o besouro era eu.
(não, não estou doidão; é uma metáfora)
Estou anestesiado, em estado latente...
Sinto minha mente em um limbo flutuante indistinguível.
Trata-se de uma das poucas e desconfortáveis vezes que troquei o 'viver' para o automatizado e estéril:
Existir, verbo intransitivo.
Até a metódica lingua portuguesa colocou uma crítica à ignóbil situação humana.
[Que conveniente e bizarro, lembra da chuva? Abruptalmente ela diminuiu, permitindo o sol jorrar como um canhão de luz e formar um incrivelmente belo arco-íris; como há muito não via...]
Então, ao chinelo depositei o dito besouro e coloquei-o no canteiro para que reaja a vida e volte de seu estado de semi-coma....
E o arco Íris foi o meu chinelo.

terça-feira, março 09, 2010

Anotação sem data e local.

Criamos fantasias, personagens, histórias... Fruto de uma imaginação quase irrestrita.
Depois lamentamos que não vivemos dentro de nosso mundo fantástico; sentimos falta de uma beleza nunca vista e saudade de personagens idealizados jamais paridos.
Tudo para dotar de certa significação outra existência pacata, fruto do acaso.
Esta fria constatação é toda a beleza que é necessária, e não um ode à vidas sem propósito.
O "belo" reside na simplicidade desmistificada.

sábado, março 06, 2010

Nas manhãs do sul do mundo

Entro cheio de expectativa... Bastaram poucas remadas adentro do mar para saber que fora correspondida.
Praia Mole, Florianópolis; 8:40 AM
Uma ondulação de leste quebrava perfeita e o crowd* estava tranquilo. Tudo para uma sessão alucinante.Cheguei exausto ao outside*, sentei sobre a prancha e respirei profundamente; fechando os olhos pude sentir toda a energia que convergia para aquela praia na forma de ondulação...
O ato de surfar é mágico, beira o transcendental. É encontrar-se consigo mesmo, deixar que o corpo manifeste e expresse quem você realmente é. Reconheço-me verdadeiramente quando surfo, sinto que as linhas desenhadas na ondulação escrevem a biografia mais sincera e verdadeira... A alguns metros de mim, outro recem chegado de dread looks fita-me com certa desconfiança e permanece a observar o horizonte esperando a onda perfeita. É o ritual que todos seguem, permanecer perante o majestoso oceano esperando a graça divina.
Então acontece. Uma crista surge marchando para a praia, uma tremenda direita. Sigo em sua direção com intuito de fazer parte desta obra prima de Netuno*, quando reparo que meu recém companheiro de dread está perfeitamente posicionado. De orelha a orelha abri um sorriso, sentei na prancha e comecei a aplaudir o espetáculo que viria. Ele desce com um tremendo sorriso estampado e segue rabiscando aquela que, naquele momento, é a onda do século. Viro-me para o horizonte e surge a minha chance de eternizar com rasgadas e batidas aquele momento. Ajeitar o bico, remadas, o impulso e... O regozijo. O drop* parece eterno e instantâneo; sentir que aquela fina tábua de fibra de vidro, resina e poliuretano passa a ser nada mais que uma extensão do corpo, a continuação dos pés. Seguir até o lip* e 'respingar no céu a água salgada do mar'. É quando ouço o brother do dread com o bordão "WOHOO"; fazer parte daquele momento é alucinante para todos.
Estamos na real democracia; credos, posição social, cor, escolaridade, emprego... Tudo é jogado na areia, como todo o resto das impurezas do mar (e não são aqueles as impurezas da dita 'civilização'?). Dentro d´água todos são e estão interligados, um único organismo pulsante cheio de vida e graça**. E a session* foi recheada de outros tantos momentos memoráveis... Eis a vida por detrás da sombras que seguimos enclausurados em uma caverna de Sócrates (Platão?) camuflada com o nome de 'Humanidade'.
Ao fim, cansado e feliz, segue-se a marcha insana da vida. Ou não; talvez nestes pequenos espasmos de expressão livre é que vivemos e, em todo o resto do tempo, estamos em estado latente, recuperando-se para viver novamente. Eu surfo, escrevo, sinto a adrenalina em mim. Outrem o sente interpretando, lendo, dormindo, cantando, cozinhando, desenhando ou sabe-se lá o que...
Como expressas o que és?
Mahalo
*Expressões e referências que fazem parte do universo do surfe; a significações são de fácil entendimento:
Crowd - densidade de surfistas na praia
Outside - 'lado de fora', região depois da arrebentação, área segura para a espera da onda
Netuno - o Deus dos mares na mitologia romana invocado pelos surfistas
Drop - 'cair', o ato de descer a onda já de pé sobre a prancha
Lip - Crista da onda
Session - 'sessão' de surfe
**Referência ao Surfer´s Code - 12 simple lessons for riddind through life de Shaum Tomson no capítulo All the surfers are joined by one ocean. Não li inteiro ainda; mas o livro é, inclusive para não surfistas, incrível. Recomendo com força.

Engatando a primeira.

Nunca é fácil começar, portanto não farei cerimônias.
Primeiro, uma forma de expor um pensamento; depois um vício de expressão; um motivo de piada e, por fim, um bordão. Eis a história resumida da expressão 'A bola de neve', que se tornou tão importante para mim.
Acordar agora ou mais cinco minutos? Ligar ou não? Admitir ou brigar? Compor ou espairecer? Viver é uma questão de escolha. Cada movimento está contido em uma nuvem de probabilidades, toda centelha de iluminação desencadeia incontáveis processos.
Que o diga as fusões nucleares do sol de onde, direta ou indiretamente, provem toda a energia de nosso ínfimo planeta*.
Reação em cadeia, teoria do caos, Heisenberg e sua incerteza que rege a mecânica quântica... A cada escolha, portanto, leva a outra que conseguintemente abrirá um novo leque...
Como uma grande bola de neve que cresce, adicionando substratos a medida que segue a inevitável descida montanha abaixo. A cada giro no tempo, e na montanha, pedaços são deixados para trás para outros tantos engrossarem o resultado. A módica inexatidão da bola neve reflete a grandiosa ordem da coisas...
Bem vindos e que sejamos grandes!
Na imagem, um começo de dia para um nascer igualmente próspero e inusitado.
*Efeito Túnel Quântico, para os interessados.
P.S.: Encontrei, um tempo depois, um referência boa com a idéia central parecida. É a chamada 'espiral positiva' e 'espiral negativa' que descreve Bill Gates em A estrada do futuro (The road ahead). Recomendo o livro, embora mais como referência da personalidade e imaginário de Gates que como livro técnico mediúnico (certas previsões beiram o absurdo, embora compreensíveis para a época ;])

yaz